Se excluirmos os anos primeiros em que andava em busca de uma percepção do mundo e do meu próprio nariz e algumas esporádicas excepções, as (até agora) 28 passagens de ano que tive ocasião de viver em pouco diferiram de ano para ano. O que (note-se) neste caso concreto, é uma coisa boa. Desde cedo me lembro que a época começava com os preparativos, que passavam sempre pela compra ou confecção (na modista) de um vestido longo, porque no Funchal a coisa se fazia a preceito. Os homens de fato ou smoking, tudo sem pinga de pretensão porque, naquela noite, ricos e remediados e pobres poupados, todos se vestiam melhor — como se fosse a missa — e a igualdade era nivelada por cima.
A meia-noite era passada em casa, com a família e amigos próximos, o que incluía várias gerações de pessoas que se relacionavam desde sempre e se encontravam, ao menos naquele dia, para saudar os que estavam por vir. Os fogos de artifícios não eram apenas uma atracção cénica e visual, mas 8 minutos de intensa purga e libertação das coisas más do ano anterior, sempre com lágrimas nos olhos, emoção contida e intensa, olhando à vez os que nos são importantes, recordando outros que já lá não estavam. Até cerca das 03:00 a festa fazia-se em casa, com novos, adultos, velhos e crianças, em fatiota aprumada; depois, os adultos saíam para as festas dos hotéis (onde, pela primeira vez, aos 13 anos, o meu avô me apresentou aos rodopios ao som de uma big band, homens de fatos escuros e instrumentos dourados). Com o passar dos anos as idas aos hotéis (e aos seus bailes) foram sendo alternadas com outras festas mais posh, sem que tenham, contudo, saído de moda. As discotecas começavam a acolher os que saíam dos hotéis ou festas privadas cerca das 6 da manhã, como se a noite tivesse acabado de começar. Pelas 11 da manhã, com o sol brioso e desafiador já alto, procurava-se um (outro) hotel que servisse pequeno-almoço aos noctívagos, ainda de vestido comprido e smoking, sob o olhar atónito dos turistas que se tinham deitado antes sequer do início da (nossa) noite e se preparavam para o primeiro mergulho do ano, compondo assim aquela sala numa estranha mistura de glamour já decadente e esborratado com a antecipação dos dias de verão.
Dito isto, desculpem se não me entusiasmo com quase mais nada. Feliz 2009.
Maldita seja. Esta incapacidade de navegar à bolina no inócuo, de olhar o outro com a dormência do desinteresse. Os problemas tomam forma e logo ela se atira a eles como metal atraído por um íman poderoso. E joga o jogo, salta as barreiras — até cair de exaustão — junta as peças do puzzle que nem assim faz sentido, prevê cenários futuros, movimentos alternativos, formas de iludir o inimigo. To feel strongly about singifica não ter paz. Não descansar por um segundo sequer, porque alguns problemas são vigilantes, recaem no inesperado, afirmam-se a toda a hora, sufocam, ocupam o espaço que não lhes pertence e secam tudo em redor. Afastam as vontades e as ideias e dão lugar apenas à reacção ou à angústia antecipada. Tentamos, sem sucesso, matar o problema ou, simplesmente, ser capazes de lhe ficar imunes. Num segundo momento, contentamo-nos já com a hipótese de recuperar as forças enquanto ele vai e volta (sem nunca deixar de estar presente, fazendo sombra), como com as moscas de verão, ledas do calor e incapazes de apreender a disciplina, que acodem sempre para pousar no braço de onde as tínhamos enxotado.
Até que cedemos ao cansaço, deixamos de produzir uma reacção exterior à agressão, mantemos um sorriso vítreo e vazio enquanto fitamos tudo como um filme do qual deixámos de fazer parte e acordamos, a cada dia, com uma amargura asséptica, quase hospitalar. E as moscas pousam, à sua vontade e fazem sua a casa dos exauridos.
Sabem aquelas pessoas sobre as quais pensam que não se importariam nem um bocadinho que fossem atropeladas à bruta por um eléctrico? Pois. Nos dias que correm, o que me preocupa é não haver eléctricos que cheguem.
Mesmo que os dias tenham sido longos, intermináveis, tensos e mais do que difíceis; que tenham trocado os vossos horários em relação aos do resto do mundo (e só consigam alinhar o vosso fuso temporal com Singapura ou com operários de uma fábrica de conservas no Panamá); que tenham passado horas a fio à frente um computador ou afundados em papéis; nada (mas mesmo nada) justifica que se substitua o pequeno-almoço e o almoço por sucessivos pacotes de M&Ms.