O amor em 2000 caracteres
Enquanto as duas metades do mundo se indignavam, à vez, com o caso Manuela Moura Guedes, eu fazia o melhor que podia para evitar ler o que quer que fosse sobre o assunto. Assim, na ronda noticiosa comum nas manhãs de Sábado, abri o Público e tracei diagonais por tudo o resto até ao texto do Miguel Esteves Cardoso, onde buscava o conforto da sua ironia.
Desta vez, o texto do MEC era sobre a descoberta recente de que a sua mulher tinha cancro na mama. À partida, a exposição de questões pessoais em espaços públicos e publicados é coisa que me faria franzir o sobrolho de irritação e inspirar de tédio. Mas, neste caso, era diferente. A coisa era apresentada com uma simplicidade quase infantil: lapidar (mas emocionadamente), sem interlúdios ou preliminares literários artificiosos.
Aquela colunazinha diária alojava, numa soalheira manhã de Sábado, o medo entorpecedor que um homem brilhante tem perder a sua mulher, o amor imenso e despretensioso que lhe devota, a fúria contra a possibilidade desconhecida e a generosidade feita em cuidados.
O cinismo está ao alcance de muitos, mas o amor, como o li naquela manhã enquanto tentava esconder as lágrimas teimosas num café apinhado, é coisa (muito) rara.