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Tenho vários amigos em processo de separação dos respectivos consortes. Casados, namorados de longa data, arranjinhos mais ou menos fixos, amizades coloridas, gente que se limita a partilhar o espaço das prateleiras da cozinha; há de tudo — E pelo menos dois terços estão (uns feliz, outros infelizmente) em processo de seguir cada um o seu caminho. Não sem grandes hesitações, não sem reconciliações temporárias e parciais, como os funerais de New Orleans (se não me falha a memória) nos quais, ao som de jazz preto e swingado, se despedem dos mortos com um cortejo onde se dão dois passos à frente e um para trás, prolongando a despedida e atribuindo um toque de languidez à angustia da perda.
E assim se tem passados estes tempos, com telefonemas nocturnos e alternados de cada um dos better half (quando acontece ser-se amigo de ambos), sempre sinceramente doídos e não falsamente convictos quanto à irreversibilidade da ruptura. Depois do exercício de oralidade típico dos amigos que dão um ombro e emprestam uma lanterna para minorar o susto de um caminho escuro adivinhado tornamos a encontrá-los, juntos e sorridentes, numa qualquer solicitação social, como se nada fosse, como se todos nos tivessemos tornado surdos, à data das conversas de antes. Até que elas (as conversas) voltam, e com elas o choro, a decepção, o desalento de ter de reaprender a caminhar sozinho.
É inevitável que fiquemos tristes e sintamos um bocadinho como nosso o fracasso emocional daqueles que nos são próximos, cujas relações afectivas se tornam instituições em vidas que não apenas as suas (afinal, adoptamos mesmo os frutos daquelas relações como se fossem filhos dos irmãos que nunca havemos de ter), mas não podemos deixar de pensar, por um bocadinho, que, no mais das vezes, a durabilidade das relações vem de todo o lado excepto do prazer imediato que elas nos proporcionam. O Homem, criatura de hábitos, prefere a ilusão de conforto de um conhecido que já não lhe aqueça a alma ao perigo iminente da solidão fria ou às amplitudes térmicas do estado de enamoramento, e por isso rumina e retarda o fim das relações já mortas, encetando (numa lógica absurda e autista de fugas para a frente) uma sucessão de novas tentativas, repristinações e recomeços. O problema é que “o recomeço” — esse conceito nobre e luminoso que encobre uma demão de tinta mal enjorcada na nossa parede grafitada de emoções — só funcionaria se pudéssemos, um dia, reencontrar o outro, sem memória.