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E, de repente, percebemos que determinada coisa — tal qual a concebemos — não é mais do que uma dimanação imaginativa, sem correspondência com os factos ou a iníqua realidade. As pessoas não se “despessoalizam” em nome da proximidade, nem despem o manto de vontades e ambições que carregam. Por isso, é importante ouvir-se com atenção e acreditar (sempre) quando alguém nos diz que não é grande coisa como ser humano. Não acreditar na bolha da perversidade como concepção romântica de instrumento de defesa para almas frágeis ou sensíveis. Não sentir culpa quando — mesmo sem culpa — não temos como aceitar aquilo que uma generosidade pervertida pela visão de proventos futuros despoja aos nossos pés. É da nossa natureza que a bondade só nos roce a pele como um casaco de verão pouco útil, pousado nos ombros apenas para tornar tolerável um vestido que queremos mesmo exibir ao mundo. A bondade, apenas e na estrita medida em que gere reconhecimento, gratidão, e dependência; e, com a propensão humana para a adição, o alojamento de um parasita que carregaremos até ao fim dos tempos.
Para evitar a incerteza, planeou meticulosamente o fracasso, secou a esperança com precisão cirúrgica e fechou as portas a tudo o que florescesse. Afinal, se se trata, como dizia Beckett, do exercício performativo do “to fail better”; aos de nós que sejam avessos a tripular viagens turbulentas a bordo de balões de ar quente — de irrepreensível efeito estético, mas absolutamente vulneráveis à mais singela alfinetada — resta a certeza apaziguadora do malogro provocado. Sem batalhas homéricas ou vitórias parciais inspiradoras, sem razão de existir que não a absoluta e assertiva eficiência na burocracia de evitar o fracasso. O bálsamo do vazio imputrescível por oposição à dor do incumprimento.
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