Abro jornais e revistas e vejo entrevistas a mulheres que desempenham um sem número de actividades. E sobre o que incidem estas entrevistas? O mais incauto responderia imediatamente que as mesmas incidiriam sobre um qualquer feito extraordinário, uma descoberta inovadora, um projecto que tenha mudado o país ou mesmo o comum desempenho de uma especial actividade. Desengane-se, caro leitor; ainda que a relevância técnico-dogmática da coisa possa ser levemente abordada, à segunda linha percebemos que a entrevista vai focar-se na e sobre a "condição feminina (revirar de olhos)". Como se consegue ser [preencher com profissão relevante] sendo mulher e como é que a criatura é recebida, compreendida e acarinhada pelos seus colegas do sexo oposto. Mais: se a criatura não for um estafermo, surge a inevitável e digníssima interrogação sobre a compatibilidade entre o reconhecimento profissional e a beleza. Nestas alturas, já um pouco mareada, pergunto aos meus botões porque é que os jornalistas continuam a fazer aquela pergunta idiota e percebo que só há uma resposta possível: há mulheres que gostam.
Vejamos: se, de cada vez que um simpático inquisidor perguntasse a uma senhora “então como é que consegue ser levada a sério pelos seus colegas homens sendo você uma mulher, e, mais ainda, bonita?” a entrevistada, em vez de fazer boquinhas -- enquanto, falsamente, se declara envergonhada -- ou balbuciar qualquer coisa absolutamente inaudível e sem ponta de credibilidade ou veemência sobre a inutilidade da pergunta, o mandasse (a ele e à sua pergunta idiota) para o digníssimo raio que o parta, mais dia menos dia, a pergunta saía de circulação.
Lamento. As mulheres capazes, inteligentes e muito bonitas não me entusiasmam. Apenas porque, felizmente, conheço muitas. E todas elas se sentiriam absolutamente insultadas com o paternalismo acéfalo do tema.
Quando descobrirem uma tetraplégica que pinte com a boca para sustentar sete filhos, ou uma que seja capaz de arrastar camiões com os dentes, aí sim, podem falar-me de capacidades extraordinárias e invulgares para a condição feminina. Até lá, andamos, pura e simplesmente a lutar pela vidinha. Nós mulheres, os homens e todas as outras criaturas do Senhor. Apre.