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Mel Com Cicuta

Without the aid of prejudice and custom I should not be able to find my way across the room. William Hazlitt

Without the aid of prejudice and custom I should not be able to find my way across the room. William Hazlitt

Mel Com Cicuta

29
Abr09

Afinal, o chiado é um bairro como outro qualquer

Laura Abreu Cravo

 

Acordo, faço movimentos pouco úteis e circulares durante algum tempo até estar pronta e saio porta fora para um dia hostil de cinzento. Decidi trazer do fundo do armário uns consideráveis saltos altos que raramente vêem luz. Um vizinho cioso da higiene da soleira da sua porta resolve, todas as manhãs, em plena rua da Misericórdia, limpar a calçada portuguesa (inclinada e naturalmente escorregadia) com esfregona e detergente. Não tenho de explicar ao caro leitor o que aconteceu assim que os meus saltos 12 cm tocaram levemente aquela armadilha mortal, pois não?

Depois de ter recolhido os cacos de mim mesma espalhados quase até ao cais sodré, entrei numa óptica para repôr um parafuso mínimo que andava, há dias, solto dos óculos escuros. A simpática profissional da optometria que me acolheu era seguida por um gato atento que, numa fracção de segundos, vendo cair o parafuso dos meus óculos da mão da dona, se precipitou a engoli-lo. O tareco obeso comeu uma peça de uns óculos escuros fabulosos que agora tem de se mandar vir de novo. Já vos disse que adoro a vida de bairro?
27
Abr09

Vamos falar de liberdade?

Laura Abreu Cravo

 
Nem por um segundo passaria pela minha cabeça direitista negar ou relativizar a importância do 25 de Abril, muito pelo contrário. Mas a posição totalitária que algumas pessoas assumem em relação às virtudes da revolução — como se das suas próprias virtudes se tratasse — é algo que só se explica se olharmos para uma questão de relevância geral à sombra do impacto particular sentido por cada um.
Eu explico: as pessoas muitíssimo ofendidas com piadolas sobre a ditadura ou revolução poderão ser (i) gente que sofreu os horrores do regime ditatorial na pele (ii) gente que sofreu os horrores do regime imediatamente pós-ditatorial na pele ou (iii) gente com uma enorme incapacidade de auto-ironia. Se, até nas profundezas do meu ser tomadas pelo sarcasmo, reconheço total legitimidade aos primeiros e segundos (incapazes de distanciamento por não serem objectivamente distantes); já quanto os terceiros, começa a tomar forma o meu lado segurem-me-que-eu-vou-me-a-eles.
São os defensores que se confundem com a causa defendida, que sacralizam nos seus rituais e lapela momentos que pertencem a todos. É, exactamente porque pertence a todos, que a todos assiste o direito de fazer o uso que entender da liberdade que lhe foi trazida (na exacta medida do legalmente permitido, entenda-se). Seja marchando avenida abaixo ou, como eu, que tenho horror a manifestações e marchas, procurando barricar-me em casa nos dias das ditas. Mas não admito, por um minuto, que os puritanos das liberdades me imponham uma forma ou padrão colectivo de demonstrar o meu respeito pela liberdade. Mesmo que me apeteça fazer uma piada que outros julguem ser idiota. Porque, se bem me lembro, também se lutou pelo direito à piada idiota. Ou, pelo menos, a constituição de 74 não continha nenhuma excepção a esse caso concreto no capítulo das liberdades.
Todos comigo: Quem não tem capacidade de rir de si próprio é cócó.
22
Abr09

Banalidade, um paliativo

Laura Abreu Cravo

Nunca vou perceber os que, por princípio, rejeitam a banalidade. Como se fosse tão somente uma perda de tempo. Não se faz uma vida de banalidades, mas não se pode viver sem elas. São a única forma de quebrar o silêncio sepulcral e doído depois de uma discussão entre duas pessoas íntimas mas, naquele momento, demasiado afastadas pelo perigo iminente de voltar ao assunto que ensombra a paz ainda precária. São a porta de entrada para os mundos fechados dos desconhecidos, esquivos ou magoados e o único registo seguro entre os lados opostos das disputas sérias que distanciam os homens. As banalidades, em muitos casos, são a balsa de salvação que nos impede de sermos afogados nos nossos desvarios emocionais e imprudências linguísticas e palavrosas.

Não creio que quem não tenha nada de sério para dizer deva estar sempre calado. O silêncio é, em si mesmo, tão pesado que só deixa respirar as relações humanas saudáveis e serenas, tão raras e preciosas quanto instáveis.
É certo que as banalidades não acrescentam nem enriquecem, mas são o cimento que impede as relações humanas de ruir, porque distraem e permitem uma convivência entre inimigos, ex-amantes, vizinhos zangados, colegas em competição. São uma manobras de diversão, uma actividade lúdica e artificiosa que, se dominada com mestria, evita a necessidade de, em situações adversas, fazer-se uma escolha que pode ser empurrada para dias mais calmos, saradas as feridas.
Há momentos em que não é preciso dizer muito, desde que se diga alguma coisa, ainda que desimportante.
20
Abr09

A bulha imobiliária

Laura Abreu Cravo

 
J costuma dizer que cada proprietário português acha que tem um palácio. Cada vez tenho menos dúvidas quanto à pertinência desta afirmação. Na busca recente por novo poiso para o agregado familiar, vimos de tudo. Casebres inflacionados a palacetes, T3 onde não caberiam (todos) os meus sapatos, a profusão de condições absurdas para a celebração dos contratos de arrendamento, senhorios que não arrendam casas a advogados (com medo de litigâncias futuras ou de arrendatários que, sei lá, pretendem exercer os direitos que a lei (e o bom senso) lhe conferem). Mas nada como aquela casa na lapa, perto da embaixada de França, que se fazia anunciar no site, como um t2+2 com Jardim de 120 m2.
Chegados ao prédio, avançámos pelas razoáveis assoalhadas até chegar ao jardim onde, no meio da abundante vegetação (e daquilo que deveria ser a área de lazer), desvendámos um cubo em rede de arame que fazia as vezes de galinheiro. Mais por graça do que por fé, perguntei em tom de afirmação se a fauna seguiria o seu rumo caso decidíssemos fechar negócio. A simpática proprietária informou-me que, não tendo outro local onde deixar os animais, o arrendamento teria de incluir os bichos. Que se oferecia para pagar o milho, mas queria acesso à casa duas vezes por mês para averiguar da saúde dos ditos. Ante a minha apoplexia, a senhora descomplexou a coisa afirmando que eu não me preocupasse, porque se oferecia para (juro) pagar o milho.
Naturalmente que zarpámos dali para fora bem a tempo de dar uma descompostura ao incompetente agente imobiliário que nos levou sem nos avisar que estaríamos a arrendar um par de galináceos. A vontade que eu tive de dizer que sim. E, depois, encomendar uma raposa de estimação.

 

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