23
Out08
Wolf like me
Laura Abreu Cravo
É claro que nunca conhecemos realmente um homem (ou mulher) apaixonado. Primeiro, porque aquilo que nos é dado a conhecer é a criatura (e matéria) filtrada pelo objectivo fixo da conquista; segundo, porque o estado semi-febril do enamoramento (do próprio ainda que não correspondido) se encarrega de esconder o que o objectivo de conquista não pré-determinou. Se as duas pessoas se apaixonam simultaneamente, estes efeitos anulam-se; se calha uma delas estar a assobiar para o ar enquanto a outra verte sonetos, convém estar preparado. Antes de mais porque a rejeição tem ligação directa para o ego ferido (o que leva a que certas almas se sintam legitimadas a debitar enormidades e agir como animais) e depois porque, passado o fervor inicial da paixão enfatuada, o objecto torna-se um alvo apetecível para uma espécie de descarrego emocional de dignidade reduzida.
Ao contrário de outros pedaços da Criação, não reconheço grande utilidade (sequer de compensação hormonal e auto-estima) à dimensão do séquito de não correspondidos que se traga arrastado vida fora — em matéria de tara coleccionadora tendo a preferir sapatos; Contudo não deixa de me espantar o que alguns estão dispostos a fazer para se manter no panteão.
O amor não correspondido é coisa injusta, mas a traição e exposição gratuita do outro (a quem se proclamou infundadamente a fidelidade eterna) tem tanto de inevitável como de patético. O que vale é que, mais tarde ou mais cedo, até o cordeiro mais pequeno e manso despe o manto para se fazer lobo.